Empresário reverte falência e indústria de biscoitos se torna case de sucesso

Líder em 1990, Cory se destacou com balas Icekiss, Chita e bolachas Hipopó. Há 48 anos à frente da empresa, Nelson Castro diz que crise é oportunidade.

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Nelson Castro está a frente da Indústria de Alimentos Cory há 48 anos (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Alta nos juros, disparada da inflação, fechamento de empresas, demissões em massa. O cenário de crise econômica que deixa executivos cautelosos e trabalhadores preocupados não assusta o empresário Nelson Castro, presidente da indústria de alimentos Cory.

Líder de mercado na década de 1990 com as balas Icekiss e os biscoitos Hipopó, a empresa que nasceu como padaria – sem forno – enfrentou a falência, o fechamento das fábricas e uma dívida de R$ 70 milhões. Hoje, é case de sucesso quando o tema é superação de crise.

“Existem poucas pessoas no Brasil mais especialistas em crise do que eu. Após a revolução de 1964, já vi o Brasil em diversos altos e baixos, e a experiência me diz que depois das crises a gente sai fortalecido. Não sou superotimista, mas a gente não pode desistir”, afirma.

Aos 72 anos, o empresário segue a frente da indústria, que hoje conta com 600 funcionários nas duas fábricas, em Ribeirão Preto (SP) e Arceburgo (MG), onde são produzidas 100 toneladas de balas e milhares de biscoitos todos os dias.

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Padaria em Lins se transformou em fábrica de biscoitos na década de 1970 (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Ao todo, a empresa detém cinco marcas: Icekiss, Cory, Lilith, Hipopó e Chita, com itens que variam desde gomas de mascar, balas duras, biscoitos recheados a pães de mel e outros doces. Os produtos são exportados para quatro continentes.

O indústria não informa o faturamento anual, apenas uma projeção de 10% de crescimento em 2016. O que se sabe, no entanto, é que as cifras ainda não alcançam os valores obtidos na década de 1990, quando as balas Icekiss e as bolachas Hipopó vendiam como água.

“Hoje, crescemos de forma saudável. Eu digo que a gente aprende muito mais nos erros do que nos acertos. Existe um exemplo que define bem isso: o eletrocardiograma de uma pessoa, que representa a vida, é cheio de altos e baixos. Se nele existir uma linha horizontal, estável, você está morto”, diz Castro.

Ascensão

A história da Cory teve início em 1968, quando Castro comprou uma padaria em Lins (SP). Na época, o termo terceirização ainda nem era tão difundido no meio empresarial brasileiro, mas o jovem empreendedor já comprava pão francês do concorrente para revender.

“Acontece que a padaria não tinha forno e eu não tinha dinheiro para comprar um. Aos poucos, conseguimos o capital e depois começamos a usar o tempo ocioso do forno para fabricar bolos, bisnaguinhas, biscoitos. Em 1971, a padaria virou uma indústria”, conta.

Três anos depois, uma nova aposta: Castro comprou uma fábrica de balas em Ribeirão Preto. Não demorou muito para decidir unir as duas empresas, em 1977, no bairro Lagoinha, na zona leste da cidade, onde está a sede da Cory até os dias atuais.

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Balas Icekiss se tornaram mania nacional entre as décadas de 1980 e 1990 (Foto: Adriano Oliveira/G1)

No início da década de 1980, veio o lançamento das balas Icekiss. Logo em seguida, a estratégia de colocar recadinhos de paquera, mensagens de horóscopo e fotos de artistas dentro das embalagens fez a marca se tornar mania nacional.

Nas padarias, sorveterias, bares e lanchonetes, a disputa pelas balas com as previsões dos signos deixava comerciantes eufóricos e, ao mesmo tempo, enlouquecidos – muitos passaram a separar o produto de acordo com as casas do zodíaco para facilitar as vendas.

“Bala, como produto, existe há 2 mil anos e sempre foi consumida pelo valor sensorial, pelo sabor. De repente, a Icekiss agrega um elemento de socialização e ela se torna a bala da brincadeira, da paquera, de coleção”, afirma Castro.

Atualmente, de cada três balas duras consumidas no Brasil, uma delas é Icekiss, segundo o presidente da Cory.

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Lançados em 1988, os biscoitos Hipopó são exportados para quatro continentes (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Biscoito de peso

E foi em meio ao sucesso de vendas da Icekiss, que a indústria Cory fez outro investimento certeiro. O lançamento dos biscoitos recheados Hipopó, em 1988, arrebatou o público infantil com a promessa de oferecer muito mais recheio que o produto concorrente.

“Quem consome esse tipo de alimento, na maioria dos casos, é a criança. Ela abre o biscoito, come o recheio e quem fica com o restante é a mãe. Então, a gente apostou em duas variáveis: a quantidade e a qualidade do recheio”, explica o presidente.

Dois anos depois, chegavam ao mercado os ovos de Páscoa da marca, o primeiro produzido no país a presentear as crianças com um brinquedo. A estratégia de marketing consolidou a Cory como uma das maiores fabricantes brasileiras de doces e derivados, naquela época.

Declínio

Mas, um erro acabou sendo crucial para o declínio da Cory: em 1991, diante do cenário econômico desfavorável e das medidas impopulares adotadas pelo Governo Federal, Castro decidiu comprar uma tradicional rede varejista paulista, então com 16 lojas.

No ano seguinte, os escândalos de corrupção envolvendo o então presidente da República Fernando Collor, a abertura do processo de impeachment contra ele e a mudança de governo tornaram a situação econômica do país ainda mais difícil.

“Falência é uma palavra que traz consigo consequências terríveis. Nós perdemos tudo e mais alguma coisa. Nós perdemos dinheiro, equipe, espaço em gôndolas, os concorrentes clonaram nossas marcas.”
Nelson Castro, presidente da Cory

A rede de lojas começou a se tornar fonte de prejuízos constantes. Para tentar contorná-los, Castro passou a injetar recursos da Cory na empresa deficitária. Não conseguiu salvar nenhum dos dois empreendimentos e ainda contraiu uma série de dívidas.

“Nosso endividamento com os bancos explodiu e não tivemos alternativa a não ser pedir concordata, em janeiro de 2003”, diz Castro, relembrando que em dezembro daquele ano o agente que estava à frente do processo de recuperação da empresa sofreu um acidente de esqui nos Estados Unidos e as negociações foram suspensas.

Sem o pagamento da primeira parcela da concordata, a Justiça decretou a falência da Cory em fevereiro de 2004. Os 1,3 mil funcionários foram dispensados do dia para a noite. As fábricas ficaram fechadas por quatro meses, até a empresa conseguir reverter a decisão.

“Falência é uma palavra que traz consigo consequências terríveis. Nós perdemos tudo e mais alguma coisa. Nós perdemos dinheiro, equipe, espaço em gôndolas, os concorrentes clonaram nossas marcas. Só de cópias de Icekiss foram sete”, relembra Castro.

Nelson Castro acompanha fabricação dos biscoitos Hipopó em Ribeirão Preto (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Nelson Castro acompanha fabricação dos biscoitos Hipopó em Ribeirão Preto (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Recuperação

Mesmo abalado – financeiramente e emocionalmente – Castro diz que nunca pensou em desistir. Sem dinheiro e crédito, conseguiu fazer a Cory voltar a operar com 150 funcionários, que aceitaram a recontratação sem ao menos saber quanto receberiam de salário.

Castro afirma que, apesar dos cargos definidos, todos executavam funções diversas: quem participava da reunião de diretoria pela manhã poderia ser escalado para varrer o chão da fábrica no fim do dia, e não poderia reclamar.

O importante, naquele momento, era recuperar os clientes e recolocar os produtos da Cory no mercado. Ao mesmo tempo em que contava com o apoio dos funcionários, Castro também recebeu a ajuda de fornecedores, que passaram a vender para a indústria à prazo.

“As pessoas tinham uma causa pela qual lutar. A Cory era delas, e elas queriam reerguê-la. Ninguém dá a vida por dinheiro, mas dá a vida por uma causa. As guerras estão aí para exemplificar isso. As pessoas fizeram uma diferença brutal nessa história”, diz.

Com a mudança na antiga lei de falências, a indústria teve o pedido de recuperação judicial aprovado em março de 2006 e, em dois anos e meio, conseguiu pagar todos os credores. Para Castro, nada disso seria possível sem os colaboradores, que ficaram ao seu lado.

“A inovação não se dá só em produtos, mas em processos também. Os funcionários, através da criatividade e da participação, melhoram os processos. Por isso, eu aprendi a valorizar cada crítica, cada sugestão. O diferencial das empresas são as pessoas”, afirma.

Nelson Castro,contou com apoio dos funcionários para reerguer empresa (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Nelson Castro,contou com apoio dos funcionários para reerguer empresa (Foto: Adriano Oliveira/G1)

Superação

A história de superação virou livro em 2006. Em “O voo do hipopótamo”, uma referência ao biscoito da marca, Castro diz que apesar de todas as dificuldades, e por maiores que elas sejam, nunca deixa de acreditar no sucesso.

Ainda segundo o empresário, um dos principais problemas nos momentos de crise é que os profissionais passam a se pautar apenas pelo que acontece nos noticiários, sem olhar para suas potencialidades, para dentro de suas empresas, para seus consumidores e clientes.

“Eu não sei exatamente quanto tempo vai durar essa crise. Mas, tem coisas que nós não podemos mudar. Eu não posso mudar Brasília, mas eu posso mudar a minha empresa, o meu trabalho, a minha vida. Concentre-se naquilo que você pode fazer e terá resultados surpreendentes”, conclui.

As pessoas tinham uma causa pela qual lutar. A Cory era delas, e elas queriam reerguê-la. Ninguém dá a vida por dinheiro, mas dá a vida por uma causa. As guerras estão aí para exemplificar isso. As pessoas fizeram uma diferença brutal nessa história.”
Nelson Castro, presidente da Cory

fonte: http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2016/10/empresario-reverte-falencia-e-industria-de-biscoitos-se-torna-case-de-sucesso.html